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Infraestruturas são essenciais no combate às alterações climáticas

Infraestruturas são essenciais no combate às alterações climáticas

As alterações climáticas trouxeram desafios a todos os setores, sendo que o impacto nas infraestruturas é uma das componentes a ter em conta, uma vez que os edifícios são responsáveis por 40% do consumo energético e por 36% das emissões de carbono na União Europeia. É preciso não esquecer que cada vez mais investimentos são feitos em edifícios sustentáveis.


Publicado em 24 de Janeiro de 2022 às 16:01
Por Cofina Boost Content

Cumprir com as melhores práticas de sustentabilidade é cada vez mais uma realidade incontornável em diferentes setores, sob pena de os fenómenos meteorológicos extremos, trazidos precisamente pelas alterações climáticas, afetarem o dia a dia das pessoas e das empresas. Criar infraestruturas – sejam edifícios, estradas, pontes, linhas de comboio, aeroportos, portos, linhas elétricas, estações de tratamento de águas residuais, entre outros – sustentáveis, resistentes e com menor impacto ambiental já não pode estar fora das estratégias de quem investe no imobiliário e na construção.

Os estudos realizados a nível global não deixam dúvidas sobre o impacto do mercado imobiliário no ambiente. Numa altura em que os decisores políticos e os investidores revelam cada vez maior empenho no combate às alterações climáticas, é ponto assente que existem diversas áreas em que as empresas de infraestruturas podem ajudar a reduzir as emissões de carbono a nível mundial.

A pressão sobre o setor para que haja um maior compromisso com os critérios de sustentabilidade,  Ambientais, Sociais e de Governança (ESG), tem sido impulsionada tanto pelos investidores, ocupantes, como pelos próprios colaboradores.

Alguns indicadores já começam a espelhar esta realidade. De acordo com o estudo Guia ESG para ocupantes: Agenda ambiental, social e de governança na ocupação de um imóvel, da consultora CBRE, 83% dos investidores antecipam um aumento da procura por parte de arrendatários por edifícios sustentáveis. Além de que, mais de 54% dos investidores pretendem alterar a estratégia de projetos em carteira para estar conforme com os critérios de ESG.

No mesmo estudo, a CBRE considera que há provas “suficientes de que os edifícios verdes geram rendimentos mais elevados que os imóveis não verdes comparáveis, indicando um potencial considerável para uma desvalorização em imóveis com um desempenho ambiental relativamente menor”.

Por sua vez, a consultora JLL, no estudo Building a New Future with Sustainability, lembra que as alterações climáticas são um dos maiores desafios da nossa sociedade e obrigam a que cada indivíduo tenha a consciência das suas responsabilidades a nível ambiental, social e ético.

Integrar medidas de sustentabilidade pesa 5% no orçamento

No documento Building a New Future with Sustainability, conclui-se que “o investimento adicional exigido para implementar medidas de sustentabilidade num edifício não irá muito além dos 5% face a um imóvel semelhante onde tais padrões não sejam aplicados”. Refere ainda que a indústria da construção está a evoluir e, os custos para estes investimentos tenderão a diminuir à medida que os padrões de sustentabilidade sejam cada vez mais um requisito básico. Para a JLL, não investir num imóvel com certificação de sustentabilidade “poderá ter um custo futuro muito mais elevado, uma vez que é expectável a depreciação do valor de um imóvel não sustentável no tempo, assim como o aumento da carga fiscal para penalizar edifícios com emissões de carbono excessivas”.

Ao avaliar os custos operacionais, esta consultora conclui que a implementação de medidas de sustentabilidade num edifício pode ter um impacto muito relevante, estimando-se reduções de 25% a 50% no consumo de energia, de 40% no gasto de água e de 70% na produção de resíduos.

A JLL refere que, apesar de hoje apenas 3% do stock de escritórios de Lisboa ter certificação de sustentabilidade, “há uma crescente aposta dos promotores e investidores neste caminho, visto que 58% dos 230.000 m2, atualmente em construção, já incorpora certificações BREEAM [Building Research Establishment Environmental Assessment Method], LEED [Leadership in Energy and Environmental Design] ou WELL [saúde e bem-estar]”. A mesma consultora refere ainda que o inquérito que realizou junto dos clientes na região EMEA (Europa, Oriente Médio e África) “mostra que, em Portugal, 82% dos operadores ativos afirma ter intenção de avançar no compromisso com a sustentabilidade, uma quota superior à registada para a Alemanha, Espanha ou França”.

Sobre este tema, o responsável de sustentabilidade da JLL, Caetano de Bragança, realça que “os números são claros: os edifícios são responsáveis por 40% do consumo energético e por 36% das emissões de carbono na União Europeia, e estes são números cada vez mais conhecidos transversalmente pelas empresas participantes do setor”. Da mesma forma, nas palavras de Caetano de Bragança, “os resultados dos questionários mais recentes realizados pela JLL indicam que 70% dos nossos clientes investidores já tem uma intenção ou metas de sustentabilidade para os próximos anos”.

70% dos nossos clientes investidores já tem uma intenção ou metas de sustentabilidade para os próximos anos.

Caetano de Bragança, responsável de sustentabilidade da JLL

Apesar desta intenção, a mesma fonte sublinha que “ainda existe um desconhecimento generalizado em como definir a melhor estratégia para atingir estas metas e de quais as soluções técnicas ou como medir de forma quantitativa e estandardizada o progresso”. É expectável que se verifque uma “transformação de regulamentação para a neutralidade carbónica – com a legislação que se espera cada vez mais exigente a nível da descarbonização e sustentabilidade (por exemplo, exigências no âmbito da eficiência energética, tanto para edifícios novos como para a reabilitação dos existentes).

O gestor da JLL fala ainda na transformação do mercado: “Gerir o impacto dos riscos climáticos e investir em infraestruturas preparadas para um futuro neutro e resiliente em termos climáticos é hoje em dia não só uma exigência da pressão legislativa, como também um imperativo comercial.” Caetano de Bragança socorre-se dos estudos de mercado mais recentes da consultora para salientar que “foi possível identificar que em cidades como Londres, os clientes estão dispostos a pagar um premium até cerca de 10% para ocupar edifícios certificados e mais sustentáveis, especialmente no mercado de escritórios. Esta tendência deverá conduzir, a longo prazo, à desvalorização dos imóveis que não integram fatores de sustentabilidade”. Refere ainda novos posicionamentos de responsabilidade climática, em que “empresas e investidores respondem estrategicamente com políticas de sustentabilidade corporativa.

Riscos reputacionais estão associados à gestão inadequada dos riscos climáticos e ambientais e representam uma ameaça à sustentabilidade económica das empresas e à sua sobrevivência.”

Por fim, Caetano de Bragança destaca a transformação para prevenção de riscos físicos: “A transformação de imóveis em áreas de maior vulnerabilidade devido a alterações climáticas (por exemplo, zonas costeiras). As estatísticas a nível de previsões climáticas tornam cada vez mais evidente que é mais inteligente investir em prevenir consequências de riscos físicos do que remediar”.

Para tornar os investimentos mais sustentáveis, Caetano de Bragança sugere que os fatores ESG devem ser considerados no processo de tomada de decisões de investimento e gestão dos portefólios. Para a mesma fonte, as medidas “vão estar muito centradas na descarbonização e mitigação das alterações climáticas, que no património edificado se aplicam de forma holística na gestão de energia e emissões, eficiência hídrica, transição para uma economia circular através da redução dos resíduos de construção e demolição, e na sua reutilização”. Aplica-se ainda “na prevenção e controlo da poluição, à qualidade do ar e à seleção de materiais com baixos níveis de toxicidade. Será também importante a inclusão do restauro da biodiversidade e ecossistemas, pela integração de zonas verdes”, remata o responsável de sustentabilidade da JLL.

Portugal consciente, mas pouco

Para o presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Francisco Ferreira, é preciso “olhar as alterações climáticas quer do ponto de vista de redução das emissões associadas às infraestruturas quer para garantir que estas são resistentes também a essas alterações climáticas”.

Nas palavras de Francisco Ferreira, numa perspetiva de mitigação, ao construir um aeroporto deve-se averiguar, à partida, que impacto irá ter em termos da descarbonização ou das emissões que irão estar associadas ao facto de ter mais voos e o peso em termos de emissões da sua construção. Por outro lado, de acordo com o presidente da ZERO, tem de se pensar que “uma infraestrutura destas pode sofrer os impactos das alterações climáticas. Por exemplo, se estiver numa localização como o Montijo um dos problemas que se põem é precisamente a subida do nível do mar poder pôr em causa a própria infraestrutura e ela estar preparada para cheias, vento forte e todo o conjunto de mudanças climáticas que se perspetiva”.

Ainda na parte da mitigação, ou seja, de redução de emissões, Francisco Ferreira lembra que é importante fazer uma avaliação das infraestruturas, sejam elas quais forem, do ponto de vista não apenas da sua construção e funcionamento, mas também do seu eventual desmantelamento.

O presidente da ZERO admite que, em Portugal, começa a haver consciência dos eventuais impactos das alterações climáticas nas infraestruturas, mas lamenta que seja “ainda de forma limitada”. Lembra também que existe uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC) e vários setores da sociedade, como as indústrias, já integram estas questões das alterações climáticas, como a Águas de Portugal. A REN também já integra “cenários de alterações climáticas para poder assegurar o abastecimento de eletricidade face a determinadas circunstâncias que possam acontecer”, exemplifica ainda. No entanto, quanto a “planos de emergência, investimentos para lidar com uma maior resiliência das infraestruturas, diria que não existem. Muitas das medidas que deveriam estar no terreno para prevenir e precaver este tipo de eventos já foram identificadas, mas ainda não passaram à prática”, alerta Francisco Ferreira.

A União Europeia tem estado preocupada com esta matéria, sendo que tem definida legislação relativa à avaliação do impacto ambiental que obriga a que se faça uma avaliação do impacto das alterações climáticas sobre determinada infraestrutura – se vai ter mais emissões de carbono na fase da construção e desmantelamento – e obriga a apresentar dados relativos a resiliência da área nas próximas décadas, garantindo que está preparada para aquilo que os vários cenários climáticos apresentam face ao aumento da temperatura, bem como maior frequência e intensidade de fenómenos extremos. O presidente da associação ambientalista refere que “é uma obrigação para os novos projetos sujeitos a avaliação de impacto ambiental”, sendo que Portugal já transpôs a diretiva 2014/52/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril, que integra a questão do clima na necessidade de avaliação do impacto ambiental.

No último documento desenhado a nível europeu, que Francisco Ferreira considera “muito importante”, datado de 29 de julho de 2021, a Comissão adota novas orientações sobre como integrar a resistência às alterações climáticas nos futuros projetos de infraestruturas. Contempla as orientações técnicas sobre a resistência às alterações climáticas das infraestruturas no período de 2021-2027 e refere o que deve ser considerado ao longo da análise das infraestruturas, a saber: os princípios da neutralidade climática, calcular a pegada de carbono dos projetos, avaliar as suas emissões, ter cenários de referência, olhar para o custo do carbono, verificar que é compatível e é credível com a redução dos gases com efeito de estufa para 2030 e para 2050. Por fim, o documento contempla a parte da resiliência climática, em que se inclui a acessibilidade, a exposição, a vulnerabilidade, o impacto e a probabilidade dos riscos climáticos.

Conclusão

A ideia de atingir a neutralidade carbónica e reduzir o impacto das alterações climáticas depende muito do que se fizer nas nossas casas. Em muitos casos essas ações terão um impacto maior do que grandes ações a grande escala no território. A Comissão Europeia, estima que 85 a 95% dos edifícios vão ser os mesmos em 2050. Os edifícios representam 40% das emissões de carbono e as infraestruturas representam 60%. São ativos físicos que temos de transformar, garantir a eficiência energética e a resiliência desses edifícios é fundamental para que Portugal seja mais sustentável.