Este site usa cookies para melhorar a navegação. Ao navegar no website concorda com o seu uso. Para saber mais leia a nossa Política de Cookies.

Mobilidade sustentável é agora

Mobilidade sustentável é agora

Para cumprir as metas climáticas, teremos de recorrer a medidas que reduzam a nossa pegada ambiental, nomeadamente, no que diz respeito à mobilidade. Conhecemos o problema e sabemos como minimizar os riscos. Só falta dotar as nossas cidades de meios e infraestruturas para que a transição sustentável seja uma realidade.


Publicado em 8 de Março de 2022 às 11:30
Por Cofina Boost Content

É urgente diminuir o impacto das alterações climáticas. O ano 2000, oficializou a entrada de Portugal num período de seca que não tem dado tréguas, culminando em janeiro de 2022, naquele que foi o segundo ano mais seco desde o início do milénio. Com a falta de água nas barragens, a disponibilidade hídrica das albufeiras atinge mínimos históricos e, embora a qualidade da água ainda esteja garantida, já se anuncia a suspensão de produção de eletricidade em algumas destas barragens, que também deixam de abastecer as regas agrícolas. Sem água, os pastos não chegam para os animais e a terra não dá alimento suficiente para todos os que dependem dela.

Estes são factos que tornam inegável o impacto que as alterações climáticas estão a ter no nosso quotidiano. Se mais não fosse, esta situação irá interferir diretamente nas nossas carteiras, com o aumento do preço dos cereais, da carne, do leite, de tudo quanto se cultive e, consequentemente, de todas as atividades-satélite, mais ou menos próximas. Não só em Portugal, como no resto do mundo. O clima, quando se altera, afeta a todos, motivo pelo qual as soluções também deverão ser abordadas por todos, de forma universal. Medidas que passam por mudanças na forma como vivemos, trabalhamos, comemos e nos movimentamos.

Identificar, prevenir e mitigar as alterações climáticas

As alterações climáticas impelem a vários momentos de ação: identificar e antecipar as suas manifestações, para diminuir os seus efeitos; confirmar as ações humanas que as provocam e que podem ser alteradas, de forma a diminuir a probabilidade de avanço; e alterar os nossos hábitos de vida.

No que diz respeito à antecipação das manifestações, já existem equipamentos inovadores à disposição dos especialistas. Rui Perdigão, catedrático presidente do Meteoceanics Institute for Complex System Sciences em Viena, Áustria, e coordenador do grupo de investigação em Alterações Climáticas (CCIAM) do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa (Ce3C), coordena a iniciativa QITES – Quantum Information Technologies in the Earth Sciences, no Meteoceanics Institute for Complex System Science, a qual preside. Esta iniciativa desenvolve novos métodos e tecnologias para monitorização do planeta, incluindo a deteção precoce de perturbações geofísicas a partir do espaço, bem como a sua análise e modelação. Objetivo: ajudar na sua previsão e servir de suporte à decisão das entidades competentes.

Segundo explica, estas perturbações geofísicas incluem os fenómenos que conduzem a desastres naturais, como as secas – já referidas –, violentas tempestades, ondas de calor, fogos e cheias. “Ao contrário das tecnologias de deteção remota tradicionais, que apenas tocam a ponta do icebergue (por serem baseadas em radiometria que não vê o interior da terra, nem do oceano), a constelação que concebi, e cujo desenvolvimento coordenei, permite ‘tomar o pulso quântico ao planeta’, garantindo uma elevadíssima precisão nos dados adquiridos. Assim, antes de os fenómenos se manifestarem nos sensores tradicionais, as dinâmicas percursoras são captadas pela nossa constelação”, explica Rui Perdigão.

Ao contrário das tecnologias de deteção remota tradicionais, que apenas tocam a ponta do icebergue, a constelação que concebi, e cujo desenvolvimento coordenei, permite ‘tomar o pulso quântico ao planeta’, garantindo uma elevadíssima precisão nos dados adquiridos.

Rui Perdigão, catedrático presidente do Meteoceanics Institute for Complex System Sciences em Viena, Áustria

Desta forma, não só é possível articular este conhecimento com sistemas internacionais de previsão, defesa e proteção civil e ambiental, como também “reforçar a robustez dos métodos de adaptação, mitigação e atribuição de responsabilidades de alterações e eventos extremos aos processos e interações que para eles contribuem”; permitindo aferir o que é natural, o que é antropogénico e o que é composto (fruto da interação socionatural). Em suma, trata-se de tentar limitar as consequências destes eventos e identificar as suas causas, para limitar ao máximo a sua manifestação.

Torna-se claro que é urgente partilhar estas informações, e isso também está a acontecer. São muitas as empresas na área aeroespacial, naval, seguradoras, financeiras, de energia, de defesa, ambiente e transportes “que sentem a necessidade imperiosa de recorrer a quem, como nós, tem métodos, modelos e ferramentas interdisciplinares matematicamente robustas para abordar a complexidade dos temas de forma clara, objetiva, responsável, justa e eficaz, produzindo resultados que ajudam a salvar vidas no terreno e alavancar um desenvolvimento mais sustentável, saudável e próspero, promovido por tais organizações”, refere o investigador do Centro de Investigação das Alterações Climáticas da Universidade de Lisboa.

Ação para ontem

A par de novas descobertas e inovadores meios de investigação, existem fatores já totalmente estabelecidos no que diz respeito à responsabilidade da emissão dos gases com efeitos de estufa (GEE) nas alterações climáticas. Estes, independentemente da sua origem, são responsáveis pelo aumento da temperatura do planeta e, consequentemente, por alguns dos eventos extremos já referidos. Sabemos também que se a utilização do solo (para agricultura e pecuária, por exemplo) é responsável por entre um quarto e um terço de todas as emissões de GEE, sabemos também que, na União Europeia (UE), os transportes representam mais de 25% das emissões totais dos gases com efeitos de estufa. Um dos maiores desafios que se impõem aos decisores políticos é a resolução do problema da mobilidade, apoiada ainda na queima de combustíveis fósseis.

“A poluição atmosférica muito ligada aos transportes origina cerca de 400 mil mortes prematuras por ano, sendo o fator de risco ambiental mais importante para a saúde humana”, alerta Pedro Nunes, analista em energia e clima na Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

A poluição atmosférica muito ligada aos transportes origina cerca de 400 mil mortes prematuras por ano, sendo o fator de risco ambiental mais importante para a saúde humana.

Pedro Nunes, analista em energia e clima na Zero

Apesar desta inequívoca ligação entre a poluição do ar nas cidades e as doenças cardiorrespiratórias da população urbana, reconhece o analista em energia da Zero que “o setor dos transportes é dos mais difíceis de despoluir e descarbonizar, devido a padrões de mobilidade geográfica e temporal muito granulares, a um uso final de energia pouco diversificados, assente em combustíveis derivados do petróleo difíceis de substituir, e ao crescimento contínuo da procura”. Como se pode quebrar este ciclo? “Essencialmente, focando menos na oferta”, avançam Pedro Martins Barata e Catarina Vazão, CEO e partner da consultora Get2C,que atua na área das alterações climáticas, energia e mercados de carbono. Mas acrescentam que é preciso “acelerar a gestão da procura, procurando antes de mais a redução da procura dos transportes, limitando fortemente o acesso ao transporte privado e individual, mesmo em modo elétrico, e dando prioridade a modos suaves. Importa perceber que a mobilidade, e muito menos o transporte, não é um fim social em si, mas sim o acesso”.

Tomada de consciência

Susana Castelo, CEO da TIS – consultora com grande envolvimento no que diz respeito à mobilidade sustentável em Portugal e no estrangeiro –, acredita que essa consciência da necessidade de reduzir a procura dos transportes privados e a transição para uma mobilidade sustentável já estão a caminho. “Existe uma parte da população que está muito consciente da necessidade de mudança e que, aos poucos, introduz alterações nos seus padrões de mobilidade”. Por outro lado, reconhece que muita gente continua vinculada ao automóvel e que a sua ideia de mobilidade sustentável se resolve através de um veículo elétrico.

Procurar antes de mais a redução da procura dos transportes, limitando fortemente o acesso ao transporte privado e individual, mesmo em modo elétrico, e dando prioridade a modos suaves.

Pedro Martins Barata e Catarina Vazão, CEO e partner da consultora Get2C

Pedro Nunes, acredita que a mobilidade elétrica pode ser uma solução, sim, mas não em transporte individual, pois esta “não permite cumprir as metas climáticas setoriais” e o mesmo se aplica a outras tecnologias automóveis, como a do hidrogénio ou dos biocombustíveis”. Ou seja, para cumprir os desígnios climáticos definidos, é inevitável recorrer a medidas que façam reduzir o número de carros em circulação e a sua utilização. “Tal envolve a expansão e a melhoria do transporte público, incluindo transporte público on-demand, incentivos ao teletrabalho e políticas criativas no estacionamento automóvel, na promoção dos modos suaves de mobilidade, na mobilidade partilhada, na fiscalidade dos combustíveis, nos subsídios à utilização de transporte público, e na utilização das vias de rodagem e gestão dos congestionamentos”, defende o analista da Zero.

Algumas soluções tecnológicas têm sido implementadas, que, não eliminando o uso do carro, permitem que a sua utilização tenha uma pegada mais leve. É o caso, por exemplo, das viaturas comunicantes, que permitem a comunicação entre o automóvel e o condutor – que tem acesso, em tempo real, a informação sobre a performance da viatura (antecipando problemas e diminuindo os custos e as idas à oficina), sobre as condições de trânsito (permitindo escolher os percursos mais rápidos e com menos gasto de combustível), ou mesmo sobre informação acerca do seu serviço profissional específico (no caso de funções de transporte, otimiza trajetos e pode ajudar a prevenir viagens desnecessárias).

Também os modelos de carsharing, ou partilha de boleias entre vizinhos, têm proliferado na última década. No entanto, a pandemia trouxe um abanão a este formato de mobilidade. O estudo “Novo Normal”, do Mobility Insights Report anual da LeasePlan, feito no ano 2020 referia que a maioria dos condutores portugueses (87%) preferia utilizar o seu automóvel em vez de outro meio de transporte, já que a transmissão do vírus Covid-19 aumentou o receio da partilha de espaços fechados, ideia reforçada pela intenção declarada de 73% dos cidadãos portugueses inquiridos não usarem transportes públicos no futuro.

Existe um esforço muito grande de melhoria da oferta, seja porque se está a apostar na modernização das frotas e no recurso a veículos menos poluentes, mas também porque, numa boa parte das redes de autocarro, se está a reforçar a frequência e a cobertura do serviço.

Susana Castelo, CEO da TIS

Mobilidade em Portugal

Susana Castelo assinala, porém, que têm vindo a ser feitas mudanças na área da mobilidade, quer em termos gerais, quer a nível da melhoria da oferta de transportes públicos, “mas também na expansão das redes pedonais e cicláveis em muitas cidades e vilas” do país. Acrescenta que, “no que respeita à acessibilidade que responde aos desafios da mobilidade quotidiana, está a existir um esforço muito grande de melhoria da oferta, seja porque se está a apostar na modernização das frotas e no recurso a veículos menos poluentes, mas também porque, numa boa parte das redes de autocarro, se está a reforçar a frequência e a cobertura do serviço”. Acredita também que, relativamente às acessibilidades a longa distância, apesar de Portugal estar mais atrasado, devido à sua posição periférica e com baixa procura no contexto europeu, este é um caminho que está a ser feito: “Existe uma forte aposta na rede ferroviária a nível nacional, mas os próximos anos implicam efetivamente uma aposta na rede que serve os principais centros urbanos e as capitais de distrito.” Relativamente às desigualdades regionais na acessibilidade, lembra que “na TIS estamos a desenvolver uma abordagem de avaliação sistémica das acessibilidades regionais em transporte individual e em transporte público, que permitiria identificar a importância deste tipo de ineficácias e limitações das redes de transporte”.

Devolver a cidade aos cidadãos

As alterações na mobilidade estão, assim, na mão de todos nós – no que diz respeito à procura de escolhas ambientalmente conscientes – e dos decisores de todos os quadrantes – criando soluções às quais é possível aderir. Do aumento dos espaços para peões e ciclovias, nas “cidades dos 15 minutos” (conceito urbano que garante o acesso a todos os serviços essenciais a uma distância de 15 minutos a pé), às soluções energéticas menos poluentes, o importante é serem soluções efetivamente disponíveis para poderem ser usufruídas.

Além disso, a educação das novas gerações também tem de estar em cima da mesa. Susana Castelo, acredita que “quando começarmos a ver crianças a brincar sozinhas nas ruas, então vamos saber que temos sucesso”. É preciso, porém, trabalhar as suas expectativas. Estarão adaptadas ao modo de vida necessário para um futuro mais sustentável? Maria Rosário Partidário, professora e investigadora de planeamento, urbanismo e ambiente no Instituto Superior Técnico, acredita que não, mas que este ajuste não se limita à mobilidade, e estende-se “à alimentação, uso da energia, do espaço público, das relações em sociedade, atitude e espírito de comunidade”, entre outros campos. Precisam também de aderir ao uso da bicicleta, em qualquer altura do ano mas que, para isso acontecer, “é necessário garantir que há acessos adequados a ciclovias, assim como a transportes públicos de qualidade e suficientes para eliminar a necessidade de usar transporte individual.”

É necessário garantir que há acessos adequados a ciclovias, assim como a transportes públicos de qualidade e suficientes para eliminar a necessidade de usar transporte individual.

Maria Rosário Partidário, professora e investigadora de planeamento, urbanismo e ambiente no Instituto Superior Técnico

Numa nota mais positiva, refira-se que um estudo realizado pela consultora McKinsey, apresentado em maio do ano passado, Caminhos de Portugal para a Descarbonização, defendia que Portugal precisava de acelerar as tendências recentes de descarbonização, mas que tinha condições para “descarbonizar mais rapidamente e a um menor custo do que a União Europeia”, e que poderia “atingir a neutralidade carbónica, ou o net zero, antes de 2050, enquanto alcança oportunidades de crescimento”.

O caminho passa por alterações de comportamento (que podem facilitar o caminho, reduzindo as emissões em menos 10%), nomeadamente, através da adoção de veículos elétricos (VE), “um contributo fundamental, principalmente depois de 2025”, indica o estudo. Para isso, o documento adianta que será necessário, sobretudo, criar incentivos que colocam o custo total de posse dos VE abaixo do dos automóveis com motor de combustão interna, aumentar os VE comerciais e incentivar a passagem de outros meios de transporte a elétricos, hidrogénio ou combustíveis de baixo carbono.

O estudo acrescenta, ainda, o alerta de que serão necessárias novas cadeias de valor para descarbonizar estes setores mais difíceis e que há tecnologias que ainda necessitam de atingir a maturidade e de escalar a capacidade. É o caso do hidrogénio verde, apresentado como competitivo, graças ao baixo custo das energias renováveis, não só para uso industrial, mas também como combustível para o transporte rodoviário pesado. Os combustíveis de baixo carbono produzidos de forma sustentável (sintéticos ou biomassa) também são analisados neste estudo, como combustível com potencialidade para usar na aviação.

Pedro Nunes, acredita que, efetivamente, tal como o estudo da McKinsey indica, “Portugal não só tem condições, [para atingir a neutralidade carbónica, ou o net zero, antes de 2050] como essa possibilidade está inscrita na Lei de Bases do Clima, que foi aprovada no final de 2021 e entrou em vigor a 1 fevereiro de 2022. Neste contexto, o Governo é mesmo obrigado a estudar, até 2025, a antecipação da neutralidade climática para, até 2045, o mais tardar. A lei tem objetivos relativos a 2050 para a redução de emissões de gases com efeito de estufa, que é de uma redução de pelo menos 55% até 2030, 65-75% até 2040 e 90% até 2050.”

A boa notícia é que grande parte da mudança está na capacidade de cada um de nós alterar os seus comportamentos: andar mais a pé, priorizar os transportes públicos e, em caso de necessidades específicas, usar uma viatura particular elétrica. Hábitos que não destabilizam a economia, antes pelo contrário, fazem parte dela e alimentam-na. Experiências feitas em Londres e em Berna, referidas por Pedro Nunes da Zero, são exemplos de sucesso que se podem replicar, onde as melhorias nas vias pedonais e cicláveis e investimentos em transportes públicos, trouxeram uma nova dinâmica económica aos centros urbanos.

“Ao contrário do que é o pensamento comum dos proprietários de lojas, os clientes que andam a pé, de bicicleta, ou utilizam transportes públicos, tendem a gastar mais dinheiro no comércio local do que os condutores de automóveis”, diz o analista da associação de defesa do ambiente. O ciclo de consumo não é eliminado, apenas é transferido para atividades mais sustentáveis, até porque se há algo em que a maioria das políticas governamentais a nível mundial concordam é que a transição energética só será abraçada pela maioria da população mundial se não afetar a sua qualidade de vida. Os mais otimistas dirão que é agora que a nossa qualidade de vida vai ganhar um novo alento.