Finanças sustentáveis potenciam crescimento económico
O mundo está em plena transformação para garantir uma transição energética com menos impacto ambiental. A integração dos critérios Environmental, Social and Governance é um passo para preservar a sustentabilidade do planeta.
Publicado em 5 de Novembro de 2021 às 16:25
Por Cofina Boost Content
A nível mundial, a emissão de títulos sustentáveis tem vindo a aumentar, sendo que, cresce o número de empresas que apostam no desenvolvimento de estratégias financeiras e decisões de investimento que integram as boas práticas ambientais e de governação corporativa.
Está cada vez mais em voga no mundo financeiro a expressão finanças sustentáveis, através da qual se procura integrar os objetivos Environmental, Social and Governance (ESG, na sigla em inglês) nas estratégias com o propósito de otimizar os impactos do setor financeiro e de contribuir para um crescimento sustentável da economia.
Perante a dúvida entre ser rentável ou apostar nas boas práticas, já é ponto assente que os modelos de negócios que põem a sustentabilidade no centro das suas estratégias são reconhecidos como inovadores e geradores de receita, ao permitirem uma redução de custos através de uma gestão otimizada, e o aumento de receitas por irem ao encontro do que o mercado está cada vez mais a pedir.
Mobilizar capital por um mundo mais verde
A par das finanças sustentáveis tornaram-se também cada vez mais comuns conceitos como green bonds, sustainability-linked bonds, social bonds, greenwashing, diversidade. Conceitos que acabam por ir ao encontro da tendência defendida a nível europeu de atingir a meta de emissões neutras em carbono até 2050.
Numa altura em que é evidente, para os diferentes quadrantes da sociedade, que é necessário preservar o planeta, sob pena de não haver uma alternativa para as gerações vindouras, já é consensual que é preciso adequar os sistemas económicos aos limites planetários e resolver importantes problemas sociais.
O desejo é que o futuro seja vivido de forma sustentável e com o mínimo de impacto para o meio ambiente. Para que esta transição seja uma realidade são necessários investimentos em massa em inovação e atividades produtivas ajustadas aos princípios da sustentabilidade.
A presença das preocupações com o desenvolvimento sustentável no panorama financeiro ganhou maior expressão, primeiro, em 2003, com a implementação dos Princípios do Equador, que, em traços gerais, contempla critérios socioambientais para a concessão de crédito. E, em 2005, com a criação, pelas Nações Unidas, dos Princípios para o Investimento Responsável, envolvendo tanto as atividades de crédito como os investimentos com preocupações socioambientais.
Uma estratégia assente nas finanças sustentáveis pretende canalizar capital em atividades que contribuam para a sustentabilidade, incorporando o valor do dinheiro no tempo e as noções de risco-retorno. Isto acontece quando as empresas analisam e dão prioridade na carteira de investimentos aos que estão mais alinhados com a sustentabilidade. Ou quando procuram viabilizar os seus planos de investimentos em projetos mais sustentáveis, através de empréstimos bancários verdes ou via mercado de capitais, recorrendo, por exemplo, aos títulos verdes e sociais.
No mercado financeiro, falamos de finanças sustentáveis quando as sociedades gestoras de ativos incorporam preocupações ambientais, sociais e de governance nas decisões de investimento e quando os bancos adotam critérios socioambientais na análise do risco de crédito. Já no caso das finanças pessoais, surge quando as pessoas se preocupam com aspetos socioambientais na alocação dos seus investimentos.
O exemplo da União Europeia
Recentemente a União Europeia (UE) deu um importante passo nesta matéria ao anunciar um pacote de medidas destinadas a melhorar o fluxo de fundos para atividades sustentáveis no espaço comunitário. No fundo, trata-se de um guia para classificar quais os investimentos que são considerados “verdes” e os que não são em setores que vão desde a indústria aos transportes.
A Comissão Europeia explicou que num dos principais pontos deste pacote está o ato delegado relativo à taxonomia da UE no domínio climático que irá apoiar o investimento sustentável ao mesmo tempo que indica quais as atividades económicas que mais contribuem para a realização dos objetivos ambientais. Sobre esta matéria, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, responsável pela pasta “Uma Economia ao serviço das Pessoas”, realçou que “damos um salto em frente, com a apresentação, pela primeira vez, de uma taxonomia no domínio climático que ajudará as empresas e os investidores a saberem se os seus investimentos e atividades são realmente ecológicos, o que será essencial para mobilizar o investimento privado em atividades sustentáveis e assegurar a neutralidade climática da Europa até 2050. Trata-se de um passo revolucionário”.
Na mesma ocasião, a comissária responsável pelos Serviços Financeiros, pela Estabilidade Financeira e pela União dos Mercados de Capitais, Mairead McGuinness, defendeu que “o sistema financeiro desempenha um papel crucial na concretização do Pacto Ecológico da UE, uma vez que os investimentos necessários para tornar a nossa economia mais ecológica serão significativos”. E realçou que “as novas regras adotadas serão um fator de mudança no domínio das finanças. Intensificámos a nossa ambição em matéria de finanças sustentáveis. Chegou o momento de passar das palavras à ação e de investir de forma sustentável”.
A partir de 2022, este conjunto de regras denominadas de “taxonomia das finanças sustentáveis” decidirá quais as atividades que podem, ou não, ser rotuladas como um investimento sustentável na União Europeia. A Comissão Europeia detalhou os critérios climáticos para os “investimentos verdes”, em que se inclui a reabilitação de edifícios, fabrico de cimento, aço e baterias, entre outros setores. Para conquistar o selo de sustentabilidade, uma determinada atividade deve contribuir para um dos seis objetivos ambientais da taxonomia e não impedir os outros cinco.
Potencial de crescimento
Portugal também já está no caminho das finanças sustentáveis. O secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, lembra que o mundo está em plena transformação para se atingir a neutralidade carbónica em 2050. Esta transformação exige empenho de toda a sociedade e avultados investimentos para descarbonizar um modo de vida incompatível com o almejado mundo mais verde. O governante socorreu-se dos dados divulgados no “World Investment Report 2021”, para salientar que durante 2020 “foram emitidos perto de 600 mil milhões de dólares em obrigações sustentáveis, o que representa um aumento de 75% relativo ao ano anterior”. No entanto, João Nuno Mendes alerta que “se verificarmos quanto é que isso pesa ao nível do mercado obrigacionista, sensivelmente 1,3%, existe aqui um potencial de crescimento muito significativo”. Perante o reforço do compromisso dos Estados-membros para reduzirem as emissões de CO2 até 2030, o secretário de Estado das Finanças destacou o caso português em que “no próprio desenho do instrumento de recuperação e resiliência foi estabelecido que 37% das verbas seriam utilizadas para se investir na transição energética e numa economia mais verde. Em Portugal, esse valor ascende a 6,3 mil milhões de euros, sendo que esta componente verde atinge sensivelmente 38% do total”.
Nesta caminhada europeia rumo à sustentabilidade, o secretário de Estado detalhou algumas iniciativas que têm sido adotadas. Como, por exemplo, “as discussões em curso do Regulamento sobre as Obrigações Verdes Europeias, as designadas EU Green Bonds Standard, também a diretiva que tem como objetivo o desenvolvimento do report da sustentabilidade a par dos reports financeiros por parte das empresas, a designada Corporate Sustainable Reporting Directive, e também um conjunto de atos delegados relacionados com a taxonomia para atividades sustentáveis”. João Nuno Mendes rematou sublinhando “a atividade da Europa como emitente no mercado, sendo aqui decisiva a atuação da Comissão Europeia e, portanto, esperam-se sensivelmente 250 mil milhões de euros em obrigações verdes até ao final de 2026.”
Financiamento verde
Mas será que existe financiamento para uma estratégia de finanças sustentáveis? A resposta positiva é dada pelo Banco Europeu de Investimento (BEI). O vice-presidente da instituição, Ricardo Mourinho Félix, admite que “o tema das boas práticas e da sustentabilidade é bastante caro e de grande importância para o Banco Europeu de Investimento. O banco é um dos maiores financiadores de projetos de apoio à ação climática à escala global e, ao longo dos últimos anos, consolidámos a nossa posição como o banco do clima da União Europeia”.
Ricardo Mourinho Félix garante que o BEI assumiu um forte compromisso de apoio à transição energética, através do qual “adotámos uma política de financiamento energético que descontinuou o financiamento a projetos de base em combustíveis fósseis. Reafirmámos uma ambição crescente de apoiar a ação climática e a sustentabilidade ambiental”. A par desta ambição “reforçámos este compromisso com a adoção do Roteiro do Banco do Clima. Porque sentimos que hoje existe um real impulso político para a transição verde”, detalha o vice-presidente do banco de investimento.
Neste roteiro – que é uma declinação prática e operacional do Pacto Ecológico Europeu – “assumimos o objetivo de aumentar o financiamento dedicado à ação climática e à sustentabilidade ambiental para mais de 50% do nosso financiamento total a partir de 2025”, explicou o mesmo responsável. Atualmente, “este financiamento representa 37% do nosso financiamento. Estamos a falar de um aumento de 13% num período de cinco anos. É uma ambição significativa”, destaca ainda.
Quando se trata de investimento, o vice-presidente do BEI considera que tanto o setor público como o privado são convocados a impulsionar esta progressão para um mundo mais verde. Ricardo Mourinho Félix defende que “temos de criar condições para mobilizar financiamento público e financiamento privado. A despesa pública é sem dúvida fundamental. Mas também o é criar mecanismos que incentivem ao investimento privado, que mobilizem todos os recursos necessários, porque todos os recursos serão necessários para fazer face às alterações climáticas”. E afirma que para mobilizar recursos privados “temos de ter boas práticas na execução de projetos e projetos de qualidade. Não haverá transição climática sustentável se não conseguirmos mobilizar um montante muito significativo de financiamento privado”.